A dor crônica
Apesar dos notáveis avanços no campo da farmacologia, modernas técnicas diagnósticas e recursos terapêuticos, a prevalência da dor crônica tem aumentado progressivamente. No Brasil, cerca de 50 milhões de pessoas padecem de algum tipo de dor. É o principal motivo de procura por assistência de saúde, sendo considerado hoje um sério problema de saúde pública.
Dor crônica é aquela que perdura por meses e até anos causando altos níveis de stress emocional que, com o tempo prejudica seriamente o psiquismo e produz conseqüências desastrosas na vida das pessoas.Causa impacto negativo sobre muitas doenças e sua recuperação clínica. A dor é considerada hoje uma porta de entrada para muitos distúrbios físicos e psicológicos.
Alguns fatores podem contribuir para o aumento da dor em nosso meio. O próprio desenvolvimento tecnológico na área da saúde tem permitido o aumento da longevidade e a sobrevida de muitas pessoas portadoras de doenças graves, até a pouco, consideradas fatais. Nos últimos 10 anos, a idade média subiu mais de 6%. Mas, apesar das pessoas viverem mais anos, sua qualidade de vida não tem sido necessariamente melhor. A dor crônica em idosos aumenta a cada dia, atingindo sua prevalência máxima em torno dos 65 anos.
Algumas características do nosso ambiente físico, nem sempre ergonômico, cheio de barreiras arquitetônicas que atentam contra a boa postura, mobilidade e segurança das pessoas, como nossas calçadas públicas por exemplo, provocam acidentes e estimulam a cronificação da dor física.
Alterações nos hábitos de vida como má alimentação e sedentarismo respondem pelo aumento da obesidade e consequentemente da dor. Carga horária de trabalho excessiva, competitividade profissional, dificuldades econômicas e familiares, falta de lazer, solidão afetiva e tantas outras condições estressantes de vida, também podem contribuir para o aumento da dor crônica.
As principais conseqüências psicológicas da dor crônica são angústia, ansiedade, medo, raiva, irritabilidade, tristeza, depressão, desconfiança, mudança na percepção corporal, diminuição da auto-estima e sentimento de rejeição social e profissional. Além disso, o sofrimento pela dor prolongada pode alterar o sistema de crenças, gerando sentimento de desamparo e preocupações em relação ao futuro. Restringe ou impede a atividade física, dificulta o convívio familiar e social, inibe o interesse e a prática sexual, piora a qualidade do sono, agravando a condição geral de saúde que, por sua vez, compromete a percepção e o manejo da dor, além de agravar doenças pré-existentes e reduzir a imunidade do organismo. Por todas essas razões, a eficácia dos tratamentos da dor crônica não é fácil.
A forte presença de fatores emocionais em alguns quadros dolorosos crônicos representa uma das dificuldades para seu diagnóstico e tratamento. O que ocorre é que quando se convive por longo tempo com a dor física, a pessoa pode desenvolver conflitos mentais e emocionais que, por sua vez, determinam alguns comportamentos e atitudes que contribuem para piorar a dor e dificultar seu tratamento.Convém lembrar que a dor é sempre uma experiência humana de sofrimento, carregada de significados subjetivos que precisam ser compreendidos e que variam de pessoa para pessoa. Porém, toda dor é sempre uma dor psicológica. É a representação mais profunda do sofrimento humano. Se as agressões ao corpo provocam dor, feridas na alma também. Não se pode separar a dor física da dor moral e psíquica.
No entanto, reconhecer a presença e o papel dos aspectos emocionais na origem e agravamento da dor nem sempre é possível. Pode ocorrer um sentimento de adaptação e até mesmo dependência dos sintomas dolorosos. Apesar do sofrimento, a dor física muitas vezes representa uma importante forma de expressar a dor afetiva. Além disso, estímulos ambientais familiares e profissionais desfavoráveis também podem perpetuar a dor crônica.
Por isso, não basta apenas compreender e eliminar o sintoma da dor, é importante ouvir e entender a pessoa que sente a dor, como ela percebe sua dor e ajudá-la a lidar melhor com seus sentimentos e atitudes.
* a autora é mestre em psicologia clínica e membro da Sociedade Brasileira para o Estudo da Dor