As várias faces das mulheres

As várias faces das mulheres

8 de março – Dia Internacional da Mulher.

As várias faces das mulheres

* Drª. Floripes Maria D´Avilla de Moraes

Ao contrário da maioria dos homens, nós, mulheres, temos características de versatilidade evidentes em todas as fases da vida. A maioria de nós acumula, acumulou ou acumulará diversas funções : mãe, esposa, profissional, dona de casa, cuidadora de bebês ou de idosos.

Aos 67 anos, posso dizer que já fiz um pouquinho disso tudo. Aos seis anos fui alfabetizada por uma mulher, minha mãe, e ajudei a tomar conta dos meus sete irmãos menores.  Durante a infância em uma fazenda, aprendi a amar as plantas e a cuidar da horta da nossa casa. Ao cair da tarde ou no frescor das manhãs, mamãe “visitava” as plantas e eu a acompanhava.

Estudei em um colégio interno, onde passei longos cinco anos. Foi a época da espiritualidade, da maior proximidade com a religião, embora muitas vezes isso nos fosse imposto pelas rígidas irmãs de São José. Muito do pouco que sei de latim e francês, foi fruto dos estudos que as professoras da congregação francesa exigiam de nós. Disciplina, ordem e boas maneiras nos eram cobradas diariamente. Guardo boas recordações das severas mulheres que se dedicaram a nos educar. E lá comecei, aos oito anos, meus estudos de piano.

Cursei odontologia em Piracicaba. Era um tempo agradável, com pouca responsabilidade, a não ser os estudos. A vida na faculdade era ótima e minha turma ainda se reúne regularmente. Durante a graduação, tive apenas duas professoras: Tereza Barrichelo e Clotildes Peters, personalidades marcantes, as raras docentes da FOP. Hoje as mulheres tomaram conta da odontologia tanto na área clínica quanto na acadêmica.

Mais tarde me preparei para ser docente da FOP durante quatro longos anos, mas me foi negado esse ingresso. Maktub: estava escrito.

Na odontologia posso citar algumas das colegas que honraram e honram a profissão: Iria Pinezzi e Grace Clark (in memoriam), Norma Prates, Marisi Aidar, Maria Aparecida Cera, Ana Luiza Tosello, Sonia Lopes, Rosana Rodrigues, Gracita, Vera Lucia Zotelli, Márcia Ferraiolli, Marilene Boscolo, Iliana Athiê, a presidente da APCD Sandra Furlan, a ex-presidente Cristina Dumitt, Maria Lucia Fortinguerra, Ada Piedade, Beth Zenebra,  Glicinia Cantarelli, Tania Zenero, Beth Orlando, Denise Lombardi, Maria Silvia Carpim, Maria José Zanin, Diva Biscalquin, Eloisa Paparotto, Silvana Laudari, Cristiana Sartori, Lucia Lubiani, Neide Horii e muitas outras que exercem ou exerceram com brilho próprio a profissão de odontólogas. Por essas colegas e por muitas outras tenho a maior admiração e respeito. E as jovens CDs surpreendendo pela dedicação e procura de conhecimentos, recebem aplausos da sociedade, destacando-se em todas as especialidades.

A vida de cirurgiã-dentista trouxe-me muito trabalho e alegria e pouco retorno financeiro. Durante 42 anos atendi crianças e adultos com algum tipo de deficiência física ou mental. Embora tentasse manter uma atitude profissional todo o tempo, essa clientela exigiu de mim um pouco mais de entrega e contato emocional. É impossível não se envolver com crianças com sérias limitações. Agradeço a oportunidade de ter exercido essa área com dignidade, sempre dando o melhor de mim aos pacientes, recebendo em troca sorrisos e alívio das dores. Sedare dolorem opus divinus est.

A época de atividade profissional foi concomitante com o meu casamento com o professor Antonio Bento Alves de Moraes, um homem culto, inteligente e íntegro que durante todos esses anos foi um companheiro presente. Juntos, construímos uma família. Cuidei do nosso filho Flávio, fotógrafo, hoje com 35 anos, casado com a atriz Fabiane Bueno de Camargo. Ser mãe foi uma experiência impar na minha vida.

Conheci muitos países, fui diversas vezes à Europa, aos Estados Unidos, a Índia, Nepal, Turquia, Chipre, Tunísia, Marrocos e viajei pela América do Sul. Hoje, mulheres tem independência e traquejo para viajar sozinhas para qualquer parte do mundo. Conquista recente. E agradecemos as pioneiras que lutaram para que nossos direitos fossem reconhecidos pela sociedade.

Escrevi dois livros. O primeiro foi sobre a Índia, “Rota dos Deuses – Viagem a Índia e ao Nepal”, publicado pela Editora Madras, no qual descrevo minha vivência nesse país e depois “Entremuros – Memórias de um Internato Feminino”,  pela Editora Arte Escrita –  Campinas. Nesse texto, mostro a intimidade de um rígido colégio interno, uma experiência insólita entre colegas e professoras mulheres.

Finalmente, veio o João, nosso neto, iluminando a nossa vida. Um privilégio único ser avó. Estou descobrindo aos poucos a alegria de estar com ele, vê-lo dormir, acordar, sorrir.

Hoje cuido da minha casa, da “florestinha doméstica”, releio os clássicos, os jornais, faço pães integrais, excelentes bolos, assisto a filmes na TV, viajo de vez em quando. Toco meu piano regularmente. Temos a Capitu, uma vira-lata que nos faz companhia. E não dispenso a natação diária, que me dá um enorme prazer.

Minha mãe Gil, com 90 anos, virou a filhinha menor. Hoje exigindo cuidados especiais, foi uma surpreendente professora e depois empresária e está sob minha responsabilidade, embora meus irmãos estejam presentes sempre que necessito ajuda.

Gostaria de passar para as jovens colegas cirurgiãs dentistas, que a profissão vale a pena, que a vida também vale a pena, não importa o momento que estejamos nem a idade que tenhamos. Da mesma forma, quando sai da vida profissional ativa, a mulher pode diversificar talentos que trazem compensações emocionais. Homens costumam ser mais limitados no sentido de ter hobbies mais complicados e poucas atividades prazerosas pós-aposentadoria. Claro, há exceções.

A vida é um caleidoscópio de maravilhas, é só ter olhos para enxergar.

Parabéns as mulheres CDs e aos homens, nossos indispensáveis companheiros de jornada.

Em memória de Isabella Von Sydow, a primeira mulher a exercer a profissão de cirurgiã-dentista no Brasil, nascida em Cananéia e formada no Rio de Janeiro.

* Drª. Floripes Maria D´Avilla de Moraes é CD graduada pela FOP/UNICA